sábado, 16 de agosto de 2008

I

- É incrível como você gosta de dormir...

- Não é questão de gosto, e sim de necessidade.

- E pra quê dormir por tanto tempo?

- Será que você não sabe que oito horas é o tempo mínimo que precisamos pra recuperar a integridade física e mental perdida em um dia rotineiro?

- Sim, por isso mesmo, você dorme desde dez horas da noite.

- Vou dormir cedo por sua culpa... E mesmo assim, oito horas são necessárias para um qualquer aí de vida pacata. Minha vida não é pacata, preciso de mais do que oito horas de descanso!

- Pára de falar besteira! Graças a Deus, a minha vida é tranqüila e sem grandes preocupações. Ninguém manda ficar procurando sarna pra se coçar! Um dia, Ele vai te castigar por todos esses pensamentos infames que bloqueiam a tua cabeça.

- Tá bem, então. Só peça pra ele vir me castigar depois de meio-dia, beleza? E olha, chega de discussão, você vai acabar atrapalhando meu sono.

- Você não sabe o que diz... Parece que não tem medo de nada... Mas você ainda vai temer tudo que nega fazer parte da sua realidade.

- Digo o mesmo para você, criança. Abrir os olhos pra algo que não seja a TV, talvez te livre dessa alienação maldita!

- Incrível o tamanho do seu preconceito... Qualquer um que tiver fé em alguma coisa é alienado?

- Uma coisa é acreditar e ter fé em algo. Outra, totalmente oposta, é viver louvando cegamente isso, ignorando tudo que acontece à sua volta. Existem outros pensamentos, outros ideais... Você é quem devia pensar no seu preconceito. Ou melhor, nos seus preconceitos. É primitivo demais julgar tudo que é novo como errado.

- E daí?! Olhe para você... Pelo menos eu acredito em alguma coisa! E você?! No quê você acredita?!

Gisela acorda assustada em seu quarto. A TV está ligada, e ela atrasada para a faculdade. Apressada, arruma seus livros e começa a se aprontar para sair. Sua TV fica de frente para a cama de solteiro. O quarto é comum. Além da cômoda com a TV e sua cama, apenas um armário de roupas para completar a simplicidade do lugar.

Fazia tempo que aqueles sonhos a perturbavam. Mas sempre tão ocupada e apressada, nunca parara para pensar no porque da freqüência deles. Ela sempre teve coisas mais importantes para se preocupar. Ano passado, era o até então desconhecido vestibular que lhe rendera um ano a fio de preparo e estudo condenado. Apesar de Gisela nunca ter se importado com coisas que aparentemente não lhe diziam respeito, ela sentiu que aquele ano tinha passado como uma profunda lacuna a ser preenchida.

Ao menos, seu objetivo fora concluído. Agora ela estava no segundo período de Comunicação Social em uma das mais concorridas universidades do seu estado. Querendo ou não, tinha a consciência de que poderia ter ingressado em qualquer outro curso de sua preferência. Porém, mesmo depois de um ano de curso, ela ainda não conseguia descrever o impulso que a fez optar por Comunicação Social. “Talvez porque gosto de noticiários, jornais e costumo assistir à novela das seis”, ela pensava, “Seria muito mais fácil se eu escolhesse a medicina. Um concurso público depois e sem mais preocupações.” Medicina é o curso que enche os olhos de qualquer mãe, e não era diferente com Dona Ana. Por isso, Gisela às vezes se esquecia do tamanho da aversão que tinha por sangue.

- Filha, você está atrasada pra faculdade de novo, berrava a mãe, assim você não vai chegar nem no segundo ano, querida!

- Tá tudo sobre controle, mãe, tudo sobre controle, disse Gisela passando feito um furacão pela cozinha enquanto terminava de se calçar.

Apesar de contrariada, era inevitável perceber que Dona Ana reluzia um feixe de satisfação e uma certa preocupação com as conquistas da filha.

- Você sabe que eu não gosto dessa história de atraso. É assim que começa. Daqui a pouco tá se perdendo no mundo que nem a maioria desses jovens que entram pra faculdade... Teu almoço está pronto aqui na cozinha!

Gisela agradeceu à mãe dando-lhe um beijo. Pegou seu almoço, ainda ajeitando a mochila nas costas e saiu às pressas de casa.

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu li na ordem inversa. Santa burrice! E percebi no texto de cima que eu conhecia uma Gisela. E, de fato, eu conheço uma Gisela.

Nem preciso falar que as Ana são pessoas muito prestativas até mesmo em seus textos, né?
Eu pude ver uma certa pessoa fazendo esse papel da melhor maneira, de maneira realista pra cacete.

Anônimo disse...

ACORDAR ASSIM DEVE SER INTERESSANTE!!!!!!!
HAHAHAHAHAHAHA!!!!!!!

"Dona Ana"
ONDE FICA A IMPESSOALIDADE???????
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!!!

"- Você sabe que eu não gosto dessa história de atraso. É assim que começa. Daqui a pouco tá se perdendo no mundo que nem a maioria desses jovens que entram pra faculdade..."
ME IDENTIFIQUEI COM ESSA PARTE!!!!!!!
NÃO QUE EU JÁ TENHA OUVIDO ISSO, MAS FOI EXATAMENTE ASSIM QUE COMEÇOU!!!!!!!

OBS.: DESCULPA A DEMORA EM LER AMOR, EU HAVIA SALVADO ESSA PÁGINA HÁ ALGUM TEMPO, MAS NÃO ESTAVA CONSEGUINDO PARAR PARA LER!!!!!!!
COMEÇOU BEM!!!!!!!